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TEXTOS DE ORIENTAÇÃO

TEXTO

PERGUNTA INFAMILIAR

A clínica contemporânea apresenta práticas de gozo que parecem excluir a existência mínima do inconsciente, no sentido de que esse gozo não se insere no intercâmbio com o Outro sexo, se configura como um gozo assexuado, solitário e opaco, muitas vezes produto da técnica e da química demonstrado nos quadros gravíssimos de toxicomanias e intervenções cirúrgicas nos corpos. Também se apresentam nas formações sintomáticas das bulimias, anorexias e depressões severas. Parece que nesse ponto opera um ilimitado que veste a pulsão de morte, uma vontade de gozar ilimitada e livre, que reitera a desconexão com o Outro.

Como podemos pensar o gozo feminino na atualidade onde a prevalência da pulsão de morte convoca imperativos de circuitos pulsionais que não passam pelo Outro?

No instante de ver, o inesperado: juntar feminino e infamiliar. Seria um chiste? No momento para compreender, me volto para o subtítulo: em que o infamiliar nos ajuda a dizer o indizível? Do feminino ao infamiliar e retorno?

Falantes de uma língua estrangeira, somos habitados e surpreendidos por um inquietante estrangeiro descoberto por Freud. Da fantasia ao que faz vacilar, encontro contingente, no percurso de uma análise se reconhece que achamos que dizemos o que queremos quando se é falado pela língua familiar, como aponta Lacan no Seminário 23. Esta, por sua vez, como afirma Miquel Bassols, encerra o segredo do Um do gozo opaco. Como falar disso que nos determina sem, ao mesmo tempo, poder dele sair? O passe está no horizonte. Que o momento de concluir se dê num bom Encontro!

Remeto ao XXIII EBCF uma observação clínica: o crescente número de casos de mulheres com sintomas obsessivos. Elisa Alvarenga1 aproxima a neurose obsessiva e o gozo feminino e interroga se esta não seria a neurose contemporânea por excelência.

Em tempos de declínio da significação fálica e, consequentemente, do lugar do desejo, o falo pode se presentificar como imperativo de gozo e conduzir a novas formas sintomáticas, articuladas mais à defesa do que ao recalque. O gozo feminino, não-todo fálico, regime do gozo como tal, toma a cena. Nessa esteira, seria o sintoma obsessivo uma forma defensiva de localização, de contorno ao gozo infinito? Ou seria uma reação, tentativa que rateia, portanto, repetitiva, de restituição do falo frente à precariedade fálica atual?

1 ALVARENGA, E. A neurose obsessiva no feminino. BH: Relicário, 2019.

Meu interesse está nas transformações do laço social, nas transformações provocadas pela web no laço social. O “Outro sob medida”1 que a web constitui e seu correlato “a loucura de se acreditar Um”2 , constituído por um narcisismo expansivo.

Como é que o nosso ao redor se tornou tão inquietante e estranho? Como o que nos era familiar se tornou estranhamente inóspito, estranho e especular?

Mesmo aquilo que conhecemos como verdade, algo que pretensamente todos estão de acordo, altera seu paradigma, torna-se uma espécie de Janus onde fake e verdade ocupam o mesmo lugar. Como essa paixão do todo saber, de tudo controlar, que cobra o preço exorbitante da servidão e da debilidade,3 ganha plena aceitação? Como o Twitter, Facebook, WhatsApp e Instagram, esses estrangeiros completamente familiares, passaram a ditar as novas verdades, produzindo segregação e sendo desmesuradamente pagos com servidão e debilidade?

1 Gozar da Internet. Derivas Analíticas, 12 agosto de 2020
2 ibid
3 Fake em Trois Dimentions. Marie Helene Brousse, Hebdo Blog, 24 janeiro de 2021

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